- Não sabia que nessa cidade as pessoas costumam pagar
por favores.
Antes que ele possa argumentar eu agarro a minha bolsa e
dou um passo a frente esbarrando nele, empurrando-o para o lado. Ele cambaleia
e resmunga alguma coisa que não tenho a menor intenção de ouvir. De todas as
palavras que ele falou nenhuma valeu a pena ter ouvido. Passo pela
recepcionista tão enfurecida que nem respondo a sua despedida.
- Até amanhã Cristina! Uma boa tarde!
Andando pela rua repasso a cena na minha cabeça, estou
com muita raiva da grosseria do rapaz. Que tipo de educação é essa. De repente
me dou conta. Quem é ele? O que ele estava fazendo no escritório? Não o vi no
inicio da manhã durante as apresentações. Ele não estava usando uniforme. Isso
é um alivio. Pelo menos indica que não trabalha lá. Não aguentaria trabalhar
com alguém prefere pagar por um favor a dizer muito obrigado.
Caminhei mais rápido do que de costume, estou quase em
casa. E os pensamentos continuam me torturando. Mas se ele não é funcionário no
escritório o que estava fazendo lá? Chego em casa. Mayara e Carol estão com o
almoço pronto. Sinto o cheiro quando entro na cozinha. Enquanto almoçamos conto
para as meninas o episódio do final da manhã. May faz piada com o meu desgosto:
- E aí! Ele é bonito?
- Sei lá! Nem olhei direito. Não quero mais falar disso.
Trocamos de assunto. Apesar de estar morando com May e
Carol a um ano não tenho afinidade para trocar minhas confidências. Nessa ora
sinto falta da minha grande amiga Tania que continua morando na minha cidade
natal. Não existia segredos entre nós. Mas, com a distância não conversamos com
tanta frequência.
Terminamos de almoçar e fomos para a universidade. Mayara
está cursando o segundo ano de educação física e Carol está no terceiro ano no
curso de comércio exterior.
A tarde foi uma eternidade. Não consegui me concentrar
nas aulas. Agora já estou deitada na cama. Quero dormir logo, preciso descansar.
Rolo-me de um lado para o outro na cama e meus pensamentos continuam me
perturbando. Quem é aquele garoto? O que o faz pensar que pode comprar um
favor? Ele nem me conhece pra ter essa atitude comigo. E apesar de sua falta de
educação e sensibilidade é muito lindo. Tão lindo de deixar qualquer uma tonta
em sua presença. Adormeço.
Um novo dia. Acordo melhor do que quando fui dormir. Me
espreguiço na cama. Coloco e despertador mais dez minutos só para poder tirar
meu último cochilo. Levanto num pulo. Visto o uniforme e faço minha rotina
matinal. Vou caminhando até o escritório. O dia está lindo, ensolarado. No
escritório cumprimento os colegas de trabalho e me acomodo na minha mesa.
Começo a estudar alguns currículos e selecioná-los conforme orientações da
senhora Paula. Quando me dou conta já
são onze horas, nem vi a hora passar. Nunca imaginei que analisar currículos
fosse uma tarefa tão intensa.
A porta do escritório se abre e entra um rapaz, um rapaz
sem uniforme. Não acredito. Dou um salto na cadeira. É ele, o mesmo que me
ofereceu dinheiro em troca de um favor. Fico pasma, me falta ar. Ele está me
olhando, será que me reconheceu? Nos encaramos por alguns segundos. Perdi o
chão embaixo dos meus pés.
-Bom dia! – Cumprimenta ele a todos, cortando nosso
olhar. – Estagiária nova? – Pergunta olhando para mim. Fico vermelha e tenho
vontade de correr para longe. Por que estou me sentindo assim? Balanço a cabeça
para voltar a pensar com sensatez e respondo.
- Cristina Detz! – Me levanto e estendo a mão para
cumprimentá-lo.
- Mauricio Anton! – Ele aperta a minha mão.
Nossos olhares estão presos um ao outro. Nas mãos
passando uma corrente elétrica. Meu corpo todo sente o toque e me faz arrepiar.
Tiro a mão com rapidez e desvio olhar. Sento na cadeira e começo a mexer nas
minhas coisas em cima da mesa. Ele se vira e entrega alguns papeis para a
Jessica. Eles conversam alguma coisa sobre o trabalho depois sai da sala.
Somente quando a porta se fecha percebo que solto a
respiração. Quem é Mauricio Anton? O que ele faz aqui? Por que estou tão
perturbada? Jessica interrompe meus pensamentos.
- Acabou de conhecer nosso chefinho! – Diz soltando um
risinho de deboche.
- O que? Ele é o nosso chefe? – Minha voz soa aguda
fazendo doer meus ouvidos.
- Sim! Ele é o filho do senhor Marcos Anton, dono da
famosa Rede de Hotéis Anton.
É claro. Agora tudo faz sentido. Por isso não usa
uniforme. Filhinho de papai. Não sei se aguento trabalhar com ele. Ou melhor,
trabalhar para ele, recebendo suas ordens. Ai! Segundo dia de trabalho e já me
sinto esgotada, o que está acontecendo comigo? Eu sou mais forte do que isso?
Não vou permitir que nada nem ninguém atrapalhe meu novo emprego. Respiro fundo
e continuo minhas tarefas.
Meio dia. Pego minha bolsa e saio da sala. Vou até o
elevador, ainda bem que está aberto. Quando chego na porta para entrar encontro
outra vez aqueles olhos castanhos. Ele está dentro do elevador segurando a
porta com o pé. Exatamente como eu fiz no dia anterior. Fico parada fora do
elevador sem conseguir mover um músculo. Onde está meu cérebro? Não consigo
pensar em nada coerente.
- Não vai entrar? – Sua voz rouca provoca um frio em
minha barriga. Ele faz sinal com a mão para me dar passagem e abre um lindo
sorriso. – Tem lugar pra dois aqui.
Entro cambaleando e me encosto na parede do elevador.
Respira Cristina, respira. Alerta meu cérebro. As portas se fecham e o elevador
começa a descer. Procuro minha voz e falo com sarcasmo.
- Devo lhe pagar cinqüenta reais pelo serviço? – Olho de
canto para ver sua reação. Ele solta meio sorriso, mas não responde.
Ficamos ali num silencio torturador. Os segundos se
transformaram em horas intensas. A energia ali dentro se transforma em algo que
não consigo explicar. Examino-o melhor e fico ainda mais impressionada com sua
beleza. Alto, forte malhado, pele bronzeada e um rosto perfeito. Lábios grossos
e perfeitamente esculpidos. E os olhos escuros e intensos. Se não fosse a
grosseria me permitiria flertar com ele. O elevador parou e a porta se abriu.
Apresso o passo para sair.
- Espera! – Mauricio Anton fala atrás de mim. Paro num
sobressalto. Ele continua. – Não vai me agradecer pela gentileza!
- Cinquenta reais? – Falo usando o mesmo tom irônico que
ele usou no dia anterior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário