segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Capítulo Um - 2ª Parte


- Não sabia que nessa cidade as pessoas costumam pagar por favores.

Antes que ele possa argumentar eu agarro a minha bolsa e dou um passo a frente esbarrando nele, empurrando-o para o lado. Ele cambaleia e resmunga alguma coisa que não tenho a menor intenção de ouvir. De todas as palavras que ele falou nenhuma valeu a pena ter ouvido. Passo pela recepcionista tão enfurecida que nem respondo a sua despedida.

- Até amanhã Cristina! Uma boa tarde!

Andando pela rua repasso a cena na minha cabeça, estou com muita raiva da grosseria do rapaz. Que tipo de educação é essa. De repente me dou conta. Quem é ele? O que ele estava fazendo no escritório? Não o vi no inicio da manhã durante as apresentações. Ele não estava usando uniforme. Isso é um alivio. Pelo menos indica que não trabalha lá. Não aguentaria trabalhar com alguém prefere pagar por um favor a dizer muito obrigado.  

Caminhei mais rápido do que de costume, estou quase em casa. E os pensamentos continuam me torturando. Mas se ele não é funcionário no escritório o que estava fazendo lá? Chego em casa. Mayara e Carol estão com o almoço pronto. Sinto o cheiro quando entro na cozinha. Enquanto almoçamos conto para as meninas o episódio do final da manhã. May faz piada com o meu desgosto:

- E aí! Ele é bonito?

- Sei lá! Nem olhei direito. Não quero mais falar disso.

Trocamos de assunto. Apesar de estar morando com May e Carol a um ano não tenho afinidade para trocar minhas confidências. Nessa ora sinto falta da minha grande amiga Tania que continua morando na minha cidade natal. Não existia segredos entre nós. Mas, com a distância não conversamos com tanta frequência.

Terminamos de almoçar e fomos para a universidade. Mayara está cursando o segundo ano de educação física e Carol está no terceiro ano no curso de comércio exterior.  

A tarde foi uma eternidade. Não consegui me concentrar nas aulas. Agora já estou deitada na cama. Quero dormir logo, preciso descansar. Rolo-me de um lado para o outro na cama e meus pensamentos continuam me perturbando. Quem é aquele garoto? O que o faz pensar que pode comprar um favor? Ele nem me conhece pra ter essa atitude comigo. E apesar de sua falta de educação e sensibilidade é muito lindo. Tão lindo de deixar qualquer uma tonta em sua presença. Adormeço.

Um novo dia. Acordo melhor do que quando fui dormir. Me espreguiço na cama. Coloco e despertador mais dez minutos só para poder tirar meu último cochilo. Levanto num pulo. Visto o uniforme e faço minha rotina matinal. Vou caminhando até o escritório. O dia está lindo, ensolarado. No escritório cumprimento os colegas de trabalho e me acomodo na minha mesa. Começo a estudar alguns currículos e selecioná-los conforme orientações da senhora Paula.  Quando me dou conta já são onze horas, nem vi a hora passar. Nunca imaginei que analisar currículos fosse uma tarefa tão intensa.

A porta do escritório se abre e entra um rapaz, um rapaz sem uniforme. Não acredito. Dou um salto na cadeira. É ele, o mesmo que me ofereceu dinheiro em troca de um favor. Fico pasma, me falta ar. Ele está me olhando, será que me reconheceu? Nos encaramos por alguns segundos. Perdi o chão embaixo dos meus pés.

-Bom dia! – Cumprimenta ele a todos, cortando nosso olhar. – Estagiária nova? – Pergunta olhando para mim. Fico vermelha e tenho vontade de correr para longe. Por que estou me sentindo assim? Balanço a cabeça para voltar a pensar com sensatez e respondo.

- Cristina Detz! – Me levanto e estendo a mão para cumprimentá-lo.

- Mauricio Anton! – Ele aperta a minha mão.

Nossos olhares estão presos um ao outro. Nas mãos passando uma corrente elétrica. Meu corpo todo sente o toque e me faz arrepiar. Tiro a mão com rapidez e desvio olhar. Sento na cadeira e começo a mexer nas minhas coisas em cima da mesa. Ele se vira e entrega alguns papeis para a Jessica. Eles conversam alguma coisa sobre o trabalho depois sai da sala.

Somente quando a porta se fecha percebo que solto a respiração. Quem é Mauricio Anton? O que ele faz aqui? Por que estou tão perturbada? Jessica interrompe meus pensamentos.

- Acabou de conhecer nosso chefinho! – Diz soltando um risinho de deboche.

- O que? Ele é o nosso chefe? – Minha voz soa aguda fazendo doer meus ouvidos.

- Sim! Ele é o filho do senhor Marcos Anton, dono da famosa Rede de Hotéis Anton.

É claro. Agora tudo faz sentido. Por isso não usa uniforme. Filhinho de papai. Não sei se aguento trabalhar com ele. Ou melhor, trabalhar para ele, recebendo suas ordens. Ai! Segundo dia de trabalho e já me sinto esgotada, o que está acontecendo comigo? Eu sou mais forte do que isso? Não vou permitir que nada nem ninguém atrapalhe meu novo emprego. Respiro fundo e continuo minhas tarefas.

Meio dia. Pego minha bolsa e saio da sala. Vou até o elevador, ainda bem que está aberto. Quando chego na porta para entrar encontro outra vez aqueles olhos castanhos. Ele está dentro do elevador segurando a porta com o pé. Exatamente como eu fiz no dia anterior. Fico parada fora do elevador sem conseguir mover um músculo. Onde está meu cérebro? Não consigo pensar em nada coerente.

- Não vai entrar? – Sua voz rouca provoca um frio em minha barriga. Ele faz sinal com a mão para me dar passagem e abre um lindo sorriso. – Tem lugar pra dois aqui.

Entro cambaleando e me encosto na parede do elevador. Respira Cristina, respira. Alerta meu cérebro. As portas se fecham e o elevador começa a descer. Procuro minha voz e falo com sarcasmo.

- Devo lhe pagar cinqüenta reais pelo serviço? – Olho de canto para ver sua reação. Ele solta meio sorriso, mas não responde.

Ficamos ali num silencio torturador. Os segundos se transformaram em horas intensas. A energia ali dentro se transforma em algo que não consigo explicar. Examino-o melhor e fico ainda mais impressionada com sua beleza. Alto, forte malhado, pele bronzeada e um rosto perfeito. Lábios grossos e perfeitamente esculpidos. E os olhos escuros e intensos. Se não fosse a grosseria me permitiria flertar com ele. O elevador parou e a porta se abriu. Apresso o passo para sair.

- Espera! – Mauricio Anton fala atrás de mim. Paro num sobressalto. Ele continua. – Não vai me agradecer pela gentileza!

- Cinquenta reais? – Falo usando o mesmo tom irônico que ele usou no dia anterior.

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