Segunda-feira. Primeiro dia do novo
emprego. Acordo cedo, mesmo antes do despertador tocar. Estou ansiosa, sentindo
um frio na barriga. Este não é o meu primeiro emprego, trabalha como auxiliar
de almoxarifado de uma empresa de cerâmicas, um ramo totalmente diferente ao
qual estou ingressando. Fui contratada para trabalhar de estagiaria de recursos
humanos na famosa Rede de Hotéis Anton. A maior rede de hotéis de Santa
Catarina.
Pulo da cama. Vou ao banheiro tomo
banho e escovo os dentes. Pego meu uniforme que está pendurado no cabide e o
visto. Camisa branca, calça e terno azul marinho. No terno do lado esquerdo
bordado delicadamente o logotipo da empresa. Sinto-me estranha com essa roupa.
Muito formal para o meu tipo. Mas, preciso me acostumar com este visual já que
estar uniformizada é uma das exigências da empresa. Confesso que sou mais fã de
jeans e blusinha. Calço um sapato preto delicado. E arrumo meu cabelo em um
rabo de cavalo.
Na cozinha preparo meu café da manhã
em silêncio. Não quero acordar minhas colegas de apartamento, Mayara e
Carolina. Elas estão dormindo e não tem hora para acordar, estou sentindo um
pontinho de inveja delas.
Estou pronta. Me olho pela
milionésima vez no espelho. Cabelo preso, maquiagem discreta e uniformizada. É
hora de encara esse novo desafio. Pego minha bolsa e saio de casa. Vou
caminhando até o escritório que fica a dois quarteirões do meu lar. O dia está
ensolarado, é começo de agosto e os dias começam a ficar mais quentes. O que eu
mais gosto nesta cidade é a brisa do mar que da para sentir na pele. O ar daqui
é diferente da minha cidade natal que esta a quilômetros de distância. Nessa
hora começo a sentir saudades da pequena cidade onde nasci, São Bento do Sul.
Cidade pequena e tranqüila. Da qual tenho boas lembranças. Principalmente de
quando era criança. Correr em meio das árvores, descalça na grama,
brincar com os animais e ir passear no centro da cidade uma vez por mês na
época de pagamento. Distraída com minhas lembranças nem percebi que já estou em
frente ao edifício onde vou iniciar minha nova profissão. Estagiária de
recursos humanos.
De repente percebi que não estou na
pequena cidade onde nasci, e sim estou na grande Florianópolis. Capital de
Santa Catarina. Edifícios com tamanha presença não se encontra em qualquer
lugar. Fico mais uma vez admirando a beleza da arquitetura. São dez andares,
com grandes vidros azuis. Os vidros refletem toda a beleza da cidade ao redor.
O jardim é sofisticado, flores, gramas e arvoredos todos em harmonia. Na
entrada se vê um letreiro em bronze Rede de Hotéis Anton – Administrativo. Esse
letreiro é discreto e ao mesmo tempo tem presença, é impossível entrar no
edifício sem percebê-lo.
Respiro fundo. Concentro-me e entro
no edifício com o pé direito pra dar sorte. A recepção é tão elegante quanto a
estrutura externa e novamente me pego admirando o ambiente. Pergunto-me,
quantas vezes terei que vir aqui para me acostumar com esse luxo, se é que
consigo vou conseguir me acostumar. Distraída em meus devaneios, uma moça
uniformizada me surpreende.
- Bom dia! Posso ajudá-la? – Diz
sorrindo, expondo seus dentes brancos e perfeitos.
- Bom dia! – Pigarreio. – Sou
Cristina Detz, estagiaria dos Recursos Humanos. – Estendo a mão para
cumprimentá-la.
- Prazer! Alexia Monteiro.
Recepcionista. – Ela aperta minha mão. – A senhorita pode se encaminhar até o
quinto andar. Estão te esperando. Boa sorte. – Ela sorri e me olha da cabeça
aos pés discretamente, mas eu percebi. A roupa com certeza ela não estava
observando, pois usávamos o mesmo uniforme. Enfim, é melhor eu me concentrar no
que é importante, seguir para o quinto andar.
Peguei o elevador e parei no quinto
andar. A porta do elevador se abriu. Entrei na sala, um espaço
sofisticado. Nas paredes tem imagens de diferentes edifícios, uma mais
exuberante que a outra. Tem também uma identificação com o mesmo letreiro de
bronze da entrada escrito ‘Recursos Humanos’. Caminho ao encontro de uma mulher
mais velha que está sentada a mesa de recepção e me apresento:
- Bom dia! Sou Cristina Detz, sou a
estagiaria – Estendo a mão. A mulher se levanta aperta minha mão e dá um
sorriso.
- Seja bem vinda Cristina! Prazer
Silvia Flores, secretária. Vou te encaminhar para a diretoria. – Ela se levanta
e gesticula para que eu a siga. – Pode me acompanhar por gentileza!
O escritório é amplo e arejado. As
paredes possuem uma cor clara. Em alguns cantos tem lindas folhagens. O
escritório é dividido por quatro espaços, todos com identificação com letreiro
de bronze– DIRETORIA – RECURSOS HUMANOS – ADMINISTRATIVO – ESTÁGIOS.
Silvia gentilmente me apresentou a
equipe de diretoria. São três diretores, dois senhores de meia idade usando
terno com ar super profissional e uma senhora também de meia idade. A senhora
responde pelo nome de Paula. Parece ser uma mulher inteligente. Explicou em
detalhes as atribuições ao meu cargo. Levou-me para conhecer todo o escritório
e os demais funcionários. Todos usam o mesmo uniforme, é estranho olhar ao
redor e todos estarem igualmente vestidos a você.
A sala de recursos humanos é ampla e
bem iluminada. São dez funcionários, seis moças e quatro rapazes. Todos na
faixa etária de vinte a trinta anos. É uma sala grande, cada um tem sua mesa
com computador e demais acessórios para o trabalho. Ao fundo toca as músicas da
rádio local. A sala do administrativo estava vazia. É a maior sala, e tem muito
mais regalias do que nas outras salas, o que me chamou a atenção. Um bar,
televisão, sofá e uma mesa gigante acomodando computador, telefone e papeis.
Finalmente a sala dos estagiários. Uma sala também grande que divide o espaço
com seis funcionários, agora sete. Também cada um tem a privacidade de sua mesa
de trabalho. Paula me apresentou aos meus novos colegas de trabalho, deu as
primeiras instruções. Eu me acomodei em minha mesa.
Todos os estagiários são jovens
estudantes. Iniciamos uma conversa de apresentações menos formais. Lia e
Jéssica estão cursando administração de empresas. Fábio um rapaz muito lindo
por sinal, louro bronzeado com expressão alegre e Fernanda estudam recursos
humanos. Marcelo e Tatiana estão no último ano de graduação do curso de
psicologia.
- Eu também estou cursando
psicologia. Segundo ano. – Comento um tanto sem graça. Primeiro dia sempre é
embaraçoso. Na verdade, toda primeira vez é embaraçosa.
Nem me dei conta é já é meio dia. O
expediente do primeiro dia chega ao fim. Pego minha bolsa, me despeço dos novos
colegas de trabalho e saio da sala. Um pouco atrapalhada e com tantas
informações novas para assimilar sigo até o elevador.
Aperto o botão, a porta se abre,
entro e espero a porta se fechar quando ouço um chamado.
- Segura o elevador!
Imediatamente com um reflexo
involuntário coloco o pé na porta antes que a porta se feche e ela abre
novamente. Aparece um rapaz com os passos apressados quase correndo que entra
no elevador em um salto. A porta se fecha. O observo com o canto do olho. Mas
que mal educado, segurei o elevador e nem para agradecer. Devia ter deixado a
porta se fechar e ele que esperasse o elevador voltar. Da próxima vez faço
questão de dar um sorrisinho bem irônico enquanto a porta se fecha. O elevador
para e a porta abre. Quando ele da o primeiro passo as palavras saem da minha
boca sem eu nem pensar direito.
- Dispõem!
Ele para de mexer no celular e ergue
o olhar. Um olhar intenso. Desafiador talvez. Eu o encaro. Nós nos encaramos
por alguns segundos ou minutos não sei. Então, sem dizer nenhuma palavra ele
tira a carteira do bolso de trás da sua calça jeans e arranca uma nota de
cinqüenta reais e estende para mim. O que é isso? Ele está me oferecendo
cinqüenta reais? Por quê? Pelo favor? Isso só pode ser uma piada. De muito mau
gosto por sinal. Minha cabeça está a girando. Fico vermelha, sinto a
raiva ferver em meu rosto.
- O que é isso? – A minha voz sai
mais alta do que eu esperava.
- Cinquenta reais! – Responde ele
com uma voz rouca usando num tom irônico. Ele dá um risinho de divertimento.
- Eu sei que é cinqüenta reais! –
Rosno as palavras e meu olhar é capaz de fuzilá-lo. Ele continua com a mão
estendida para mim.
- Por você ter segurado a porta do
elevador. Estou lhe pagando pelo serviço.
Estou chocada. Serviço? Nunca havia
passado por uma situação como essa. Eu tenho vontade de lhe dar um murro no
meio da cara. Respiro fundo e respondo tentando controlar minha raiva.
- Não sabia que nessa cidade as
pessoas costumam pagar por favores.